A proliferação indiscriminada de empreendimentos hidrelétricos de pequeno porte, conhecidos como Pequena Central Hidrelétrica (PCH) e Central Geradora Hidráulica (CGH), causa impactos econômicos, sociais e ambientais negativos e precisa ser mais bem avaliada para se evitar danos irreversíveis aos rios e às comunidades onde são construídos estes empreendimentos.
O crescimento desenfreado desse tipo de hidrelétrica está saturando e fragmentando os rios do país, de forma mais contundente os do Paraná, e é consequência da atual legislação, que facilita a instalação das PCHs e CGHs e favorece os empreendedores em detrimento das pessoas que vivem nas áreas onde estes são instalados. O agravante é que as consequências negativas dessas obras ainda não foram bem avaliadas.
Audiência pública
Para tentar minimizar e até mesmo reverter este cenário a maioria dos participantes da audiência pública “Impactos socioambientais ocasionados pelas Pequenas Centrais Hidrelétricas no Estado do Paraná” fez diversas análises e sugestões. Participaram 21 convidados entre cientistas, pesquisadores, especialistas e estudiosos de diversas áreas do conhecimento.
Falaram na audiência representantes dos empreendedores, do Governo do Paraná, de prefeitura, das comunidades atingidas, pescadores e ambientalistas. Os deputados Tadeu Veneri (PT), Professor Lemos (PT), Luciana Rafagnin (PT) e Evandro Araújo (PSC) também se manifestaram sobre o tema.
A audiência foi promovida de forma remota, nesta terça-feira (16), pela Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), presidida pelo deputado Goura (PDT), que conduziu os debates.
“Ficou muito claro que este debate sobre os impactos das PCHs deve ser ampliado. É um tema complexo. Percebeu-se, pelo que foi dito na audiência, que esses empreendimentos têm impactos negativos que são pouco estudados e, principalmente, desconhecidos pelas pessoas que são atingidas por essas hidrelétricas”, comentou Goura.
Confira a íntegra da audiência pública:
“A Comissão de Meio Ambiente da Assembleia vai trabalhar para aprofundar essa discussão e alertar para os perigos de se conceder tantas autorizações para instalação de PCHs e CGHs indiscriminadamente no Paraná”, alertou o deputado. “É fundamental uma análise sobre todas as vantagens e desvantagens desses empreendimentos.”
Custo X Benefício
“Os impactos das PCHs são equivalentes ou até maiores que os das usinas hidrelétricas (UHE) de grande porte”, afirmou o pesquisador Thiago Couto, que é doutor em Pesca e Ciências Aquáticas pela Universidade de Washington (Seattle, EUA) e atua nas áreas de ecologia aquática, conservação da biodiversidade, pesca interior e política energética na Universidade Internacional da Flórida (Miami, EUA).
Couto disse que qualquer empreendimento causa impactos e que é necessário fazer uma análise criteriosa dos custos e benefícios destes empreendimentos hidrelétricos. Segundo ele, até o conceito de pequena hidrelétrica está equivocado. “O que é pequena? Definir isso por conta da potência é um equívoco grave. E no caso das PCHs os impactos negativos são cumulativos”, explicou.
O pesquisador disse que o maior problema das PCHs e CGHs é que elas fragmentam os cursos dos rios e comprometem a sua conectividade. “O problema é que não há estudo dos impactos e muito menos planejamento sobre a construção dessas hidrelétricas”, comentou. “Isso é inaceitável. É preciso ter um planejamento estratégico por bacia hidrográfica’, recomendou Couto.
Proliferação desenfreada
Ele explicou que a proliferação das PCHs no Brasil se dá por causa dos incentivos, tais como licenciamento simplificado, tarifas baixas e facilidade de financiamento. “A consequência é que hoje 85% das hidrelétricas são PCHs e contribuem com apenas 7% da potência de geração”, alertou o pesquisador.
Tanto o promotor Leandro Garcia Algarte Assunção, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo do Ministério Público do Paraná (MP-PR), quanto o procurador de justiça Saint Clair Honorato Santos, foram categóricos que é preciso aperfeiçoar a legislação referente às PCHs e CGHs.
“No Ministério Público defendemos que é preciso garantir dois princípios: a realização do inventário público participativo e a avaliação ambiental integrada. Com isso, pode-se minimizar os impactos, pois com a participação das comunidades atingidas e estudos ambientais qualificados tem-se uma situação diferente do que tem acontecido normalmente”, disse.
Para o procurador Santos, a atual legislação privilegia um segmento, os empreendedores. “Não há preocupação com os impactos que esses empreendimentos causam às pessoas. Não há prévia discussão sobre essas obras com a comunidade. Na maioria das vezes acontecem só formalmente”, afirmou. “A legislação precisa ser aprimorada”.
Paraná saturado de PCHs
Segundo ele, as perdas sociais e ambientais não são devidamente mensuradas. “A dimensão desses impactos não aparece nos relatórios e nem nos estudos. E temos outro agravante. O Paraná já está saturado destes empreendimentos. Cada vez mais se autorizam PCHs e mais impactos negativos vamos acumulando. E temos excedente de energia hidroelétrica, que na maior parte é exportada para outros estados.”
O defensor público, Julio Cesar Duailibe Salem Filho, coordenador do Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Paraná, disse que é preciso avaliar a situação com múltiplos olhares aos impactos humanos que as PCHs causam. “O prévio estudo destes impactos tem que levar em conta as relações sociais e culturais das populações que são afetadas por essas obras”, afirmou.
Movimento dos Atingidos por Barragens
A coordenadora estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Maristela da Costa Leite, foi incisiva ao dizer que faltam normas e que a principal consequência da construção indiscriminada de PCHs é a violação dos direitos dos atingidos por esses empreendimentos.
“A legislação facilita tanto a autorização para as PCHs que é o empreendedor que define quem são ou não os atingidos pelas barragens. Uma inversão que viola direitos básicos”, explicou Leite. “É preciso criar, além de rever a legislação, um protocolo que garanta que os direitos das pessoas atingidas sejam respeitados”, afirmou. “Só assim teremos reparação e compensação dos impactos.”
Na mesma linha de crítica, a advogada Vânia Mara Moreira dos Santos, do Instituto Os Guardiões da Natureza de Prudentópolis (PR), disse que a legislação privilegia os empreendedores e não garante os direitos das pessoas. “A voz da população não é ouvida. As audiências dos licenciamentos são só proforma e muitas vezes conduzidas de forma que ao final os participantes são mal-informados sobre os impactos negativos dos empreendimentos”, denunciou ela.
Impactos negativos
O professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Angelo Agostinho, membro do Conselho Consultivo do Instituto Nacional de Limnologia (INL), questionou se a liberação das PCHs sem critérios vale a pena do ponto de vista econômico e ambiental. “Basta fazer uma comparação. Uma usina como Itaipu equivale, na produção de energia, a cerca de 500 PCHs com potência de 30 MW. O problema é que essas PCHs inundariam uma área quatro 4 vezes maior que a área do lago de Itaipu”, alertou.
Injustiça ambiental
O pesquisador Ralph Albuquerque, doutorando em Geografia pela UFPR e mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural pela Universidade de Brasília (UnB), disse que a proliferação indiscriminada de PCHs no Paraná tem como consequência imediata o que ele chama de injustiça ambiental.
“São atualmente 213 empreendimentos tipo PCH no Paraná. Um estado que só consome 15% da energia hidrelétrica que produz em seu território. E somos os responsáveis por 20% da produção nacional, mas exportamos 85% disso”, alertou. E os impactos negativos disso, tanto ambientais como sociais, ficam só com o Paraná. É uma injustiça ambiental grave”, denunciou.
Associação defende PCHs
O presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétricas e Centrais Geradoras Hidrelétricas (ABRAPCH), Pedro Dias, defendeu as PCHs dizendo que elas são diferentes dos grandes empreendimentos hidrelétricos. “Não podemos pagar pelos erros de outros e sofrer com o preconceito que isso causa aos empreendedores”, disse.
Dias disse que as PCHs não podem ser consideradas vilãs do meio ambiente e de causar impactos sociais. “Tudo é feito com planejamento e com participação da sociedade. Os nossos empreendimentos são ambientalmente corretos e as PCHs são, ao final das contas, públicas. São patrimônio do povo e retornam em benefícios econômicos e sociais onde são instaladas”, afirmou Dias.
Outros participantes
Também se manifestaram na audiência pública Robertson Fonseca de Azevedo, promotor de justiça de Paranavaí; Everton Souza, da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (Sedest); Maristela Denise Moresco Mezzomo, geógrafa, professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR); André Dias, gerente de Novos Negócios e Parcerias Estratégicas no Observatório Justiça e Conservação (OJC); Edson Okada, biólogo da Universidade Estadual de Maringá (UEM); José Cirineu Machado, pescador e vereador em Guaíra; Marildo Oliveira, coordenador da Patrulha Ambiental do Rio Ivaí; Sérgio Inácio Gomes, professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR); João Garcia, presidente do Sinergi – Cooperativa de Energia Solar e Giovane Mendes de Car