De maio de 2024 a fevereiro de 2025, a empresa Viação Graciosa foi autuada 10 vezes pelo Departamento de Estradas e Rodagens (DER) do Paraná por defeitos em equipamentos. Ou seja, em 10 meses, a única empresa que faz o transporte de passageiros entre Curitiba e as cidades do Litoral Paranaense sofreu 10 penalidades relacionadas à precariedade dos ônibus.
Antes desse período, outras duas autuações por esse mesmo motivo foram relatadas pelo DER, sendo uma em dezembro de 2021 e outra em janeiro de 2022.
O aumento do número de autuações nos últimos meses reflete o crescimento das denúncias feitas por usuários nesse período, em especial nas redes sociais, que relatam por meio de dezenas de vídeos, situações recorrentes de falhas mecânicas como perda de rodas, freios e escapamento, incêndios, além de superlotação, atrasos constantes e falta de higiene nos ônibus em praticamente todas as linhas.
Na tentativa de evitar uma tragédia iminente, o deputado estadual Goura (PDT) usou a tribuna da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), no dia 10 de março, para apresentar as denúncias sobre a precariedade do serviço prestado pela Viação Graciosa e cobrar soluções urgentes para os problemas recorrentes relatados.
Além de expor a situação na Alep, o deputado Goura oficiou o DER, o Ministério Público do Paraná (MPPR) e o Procon-PR para que tomem providências a respeito das denúncias. Goura anexou aos ofícios um dossiê com 25 registros de falhas mecânicas ocorridas entre 2 de agosto de 2024 e 10 de fevereiro de 2025.
Destas, 24 ocorreram após outubro de 2024, ou seja, em apenas 4 meses. “Destaco que este total se refere apenas aos registros mapeados por nosso mandato, o que indica uma probabilidade ainda maior de falhas na realidade”, afirmou Goura.
Motoristas e usuários denunciam problemas
O mandato do deputado Goura também teve acesso a vários relatos de motoristas da empresa e usuários do transporte rodoviário que demonstram a situação de calamidade e risco a que são expostos.
Para preservar a identidade das fontes, o Mandato optou por não identificar os autores e autoras dos relatos.
Entre as situações mais comuns relatadas estão a pressão para que os motoristas realizem hora extra, depois de oito horas trabalhadas, sem pagar o devido valor. “E se você não fizer, você pega gancho (suspensão) ou eles te mandam embora”.
Os relatos apontam para a falta de estrutura e de condições mínimas de higiene nos alojamentos dos motoristas.
“Em Guaratuba o alojamento deles é container. Não é uma casa. Se você quiser dormir, aqui são as camas e ali é o banheiro. Daí lá é a garagem de todo mundo.
O cara acende a luz e você não dorme mais. E tem que levantar cedo pra ir trabalhar. E tem um alojamento horrível, sem condições de uso, que é o de Paranaguá”.
Uma situação relatada por um usuário, o motorista teve que descer a Serra do Mar segurando o veículo na segunda marcha por falta de freio, ele conta que o banheiro do ônibus vazou e caiu urina nas malas de um passageiro. “Molhou tudo, as malas, as roupas e o passageiro vai processar a empresa”.
Foto: imagens das malas molhadas de urina enviadas por usuário
Em relação às falhas mecânicas, a situação é de risco severo para os usuários e motoristas. “Através de vídeos e relatos, constatamos falhas mecânicas em praticamente todas as suas linhas, principalmente as que atendem o litoral norte – Paranaguá, Antonina, Morretes e Guaraqueçaba”, disse Goura.
Nestas ocasiões, os veículos param durante a viagem, deixando seus passageiros por até horas à espera de um novo veículo, promovendo superlotação, atrasos constantes e causando todo tipo de prejuízos aos usuários, em especial àqueles que utilizam diariamente estas linhas para ir ao trabalho, estudar e fazer tratamentos médicos.
Falta de manutenção nos veículos
Sobre a falta de manutenção nos ônibus, o relato de um motorista demonstra que a situação é caótica.
“Ela (a empresa) tem manutenção, mas os mecânicos não têm tempo de fazê-la porque os ônibus circulam durante o dia e à noite não tem mecânico. Então, automaticamente, a empresa acaba pecando nisso aí. Ela tinha que ter uns mecânicos durante a noite para fazer a manutenção e dizer, olha, esse carro aqui não vai sair enquanto realmente a gente não tiver toda uma vistoria dele para poder rodar com segurança”.
A situação se torna ainda mais dramática para os motoristas quando eles se recusam a trabalhar alegando a precariedade dos veículos.
A resposta dos superiores, segundo os relatos, é que os motoristas não querem trabalhar. “Aí eles acabam dando suspensão, advertência, essas coisas. Sem trabalhar por quê? Pelo próprio risco do ônibus de não estar em condições”.
Quando os motoristas acusam algum problema, em geral, a resposta é de que não há como substituir o veículo e que eles devem rodar assim mesmo. “Tem um problema, eles falam, ‘não, vai com isso aí mesmo’. Porque não tem carro, né? Então, tem que ir com isso aí mesmo. Ou ele vai, ou ele é sujeito a pegar uma punição, uma advertência”.
Outra reclamação é de que a maioria da frota tem mais de 10 anos de rodagem, o que, aliada a falta de manutenção adequada, aumenta o risco de acidentes graves.
Foto: Imagem enviada por usuário que relatou que cheiro de lona queimada e vazamento de combustível fizeram o ônibus parar no meio da viagem.
Carga horária excessiva
O excesso de carga horária também é mais uma das irregularidades que podem colocar a vida dos motoristas e dos passageiros em risco. Há relatos de motoristas que chegam a ficar 15 horas na estrada sem descanso.
As chamadas dobras acontecem quando os motoristas são convocados a dobrarem a carga horária. Em geral isso acontece devido a falta de motoristas.
“Você foi lá pra Guaratuba, você volta. Aí não tem motorista para fazer o outro horário de Guaratuba. Ele pede para que você faça. Daí na dobrada vai pra mais de 15 horas”, explicou um motorista.
Outro relato importante feito ao mandato fala sobre um episódio em que o motorista parou para dormir na estrada. “Então, ele dormiu na estrada porque ele não conseguiu chegar em Curitiba. Quando ele chegou na Serra, no quilômetro 43, ele tava com o ônibus sem passageiros, parou e dormiu. Porque eles pediram pra ele dobrar, não tinha motorista”.
Vale destacar que a Lei Federal N.° 13.103/2015, conhecida como Lei do Motorista, prevê jornada máxima de 10 horas ou 12 horas se houver acordo coletivo. Além disso, no período de cada 24h, o motorista tem que ter 11h de descanso, sendo no mínimo oito horas ininterruptas.
Questionado se usaria o transporte da Viação Graciosa como passageiro, a resposta foi clara. “Eu não aconselho. Eu não aconselho. Eu disse, quando eu sair, não vou aconselhar os colegas a entrar. Eu tô dizendo isso hoje. Não sei amanhã”.
Foto: Marcus Vinicius Dos Santos/Grupo BR-277
Respostas aos ofícios
Em resposta ao ofício encaminhado pelo deputado Goura, o DER do Paraná minimizou as denúncias encaminhadas pelo mandato sob o argumento de que são “genéricas” ignorando que todas possuem data, horário, local, número do veículo e registro audiovisual.
“Reafirmamos que os casos formalmente reclamados foram tratados de forma individual, e que reclamações genéricas não são passíveis de verificação e providências adequadas”, diz um trecho da resposta do DER.
O departamento também minimiza reclamações nos vídeos e comentários nas redes sociais, respondendo apenas sobre aqueles que de fato denunciaram diretamente à ouvidoria.
Segundo a resposta, a precarização não é padrão, uma vez que das 64 “reclamações oficiais de usuários” recebidas pelo Departamento em 2024, apenas 29 eram relacionadas a veículo/defeito.
Sobre a frequência de problemas técnicos denunciados, apesar da gravidade, o DER argumenta que são insignificantes diante do número total de viagens.
“Cabe acrescentar que embora expressivo, o número de reclamações, comparado ao número de viagens executadas no ano de 2024 (21.166 Rodoviárias e 24.469 Metropolitanos, sendo 45.635 viagens totais), que representa 0,14% de viagens com reclamação, isto é, uma reclamação a cada 713 viagens executadas”.
A Viação Graciosa, assim como o DER, também questionou as denúncias apresentadas pelo Mandato Goura alegando que “a referência utilizada foi uma página da internet sem qualquer verificação da veracidade dos dados”. Ainda segundo a empresa, “as falhas são eventuais e não refletem um padrão de precarização do serviço”.
O DER informou ainda que todos os contratos de concessão dos serviços públicos de transporte intermunicipal de passageiros estão vencidos e as empresas originárias estão operando por autorização provisória até nova licitação.
O Mandato Goura ainda aguarda resposta dos ofícios encaminhados ao Ministério Público do Paraná e ao Procon.
Veja aqui a resposta do DER e da Viação Graciosa.
Foto de capa: montagem a partir de vídeo disponibilizado nas redes sociais. Veja o vídeo aqui.