Manter as famílias juntas em um abrigo no centro da cidade, com acesso a banheiros e cozinha, são as reivindicações de dezenas de indígenas que estão em Curitiba para vender seus artesanatos e obter renda. Com o fechamento da Casa de Passagem do Indígena pela Prefeitura, as famílias estão acampadas no estacionamento do Palácio das Araucárias, expostas às intempéries, sem a mínima estrutura de higiene e dependendo de doações.
E essa situação continua sem solução. Mesmo após quatro horas de argumentações em uma Mesa de Diálogo proposta pelo Observatório dos Direitos Humanos do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), realizada nesta quinta-feira (16), a Prefeitura de Curitiba, demonstrando total despreocupação com a evidente violação dos Direitos Humanos, não apresentou sequer uma proposta que levasse em consideração as necessidades dos indígenas.
Inaugurada em 2015 como um centro de acolhimento para as pessoas que saem de suas aldeias em busca de renda com a venda de artesanatos pelas ruas da cidade, a Casa de Passagem foi fechada por causa da pandemia. Desde então, os indígenas que vêm à capital do Paraná não têm um espaço adequado para ficar.
Como solução para o problema, a prefeitura insiste em oferecer aos indígenas o mesmo tratamento destinado à população em situação de rua, desconsiderando todas as peculiaridades e cultura indígenas.
Ou seja, a única proposta feita até o momento foi de alojar os homens em um hotel social e às mulheres e crianças em uma casa no Capão da Imbuia, longe do centro.
Descaso
“Desde o fechamento da Casa a gente já sabia que agora, principalmente no verão, o povo Kaingang viria para Curitiba, como é o seu costume. A prefeitura não pode alegar que não teve tempo de se organizar e de se preocupar. Teve muito tempo de organizar o Natal de Luz e todas as suas atrações, mas não teve tempo mínimo para pensar no que pode ser feito para receber esses povos com o mínimo de dignidade”, ressaltou o deputado estadual Goura (PDT), que é membro da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e que participou da Mesa de Diálogo.
Goura cobrou da Fundação de Ação Social (FAS) de Curitiba respostas sobre a contratação de um hotel social para abrigar, sem separação, as famílias indígenas nesse período até que se encontre uma solução permanente para a situação.
“Curitiba e o Paraná tem uma dívida histórica com os indígenas. Sabemos que Governo Federal tem sua responsabilidade, mas o que o estado e a prefeitura podem fazer? É uma vergonha a gente estar aqui para discutir um teto para essas pessoas”, desabafou.
Violação dos Direitos Humanos
“É muito triste a gente estar ali. Estamos há uma semana no Palácio e ninguém apareceu. Nós somos seres humanos. Ninguém quer ver os filhos arrastados. Ninguém quer ver indígenas em Curitiba. Tem Praça do Japão, da Espanha, Bosque do Papa, e nós, que somos povos originários, ninguém quer ver”, desabafou a líder indígena kaingang do Rio das Cobras.
“Nós queremos a casa de passagem sim, nós somos cidadãos, nós votamos. Nós temos nossa cultura, nós temos nossa matemática, nós temos nosso artesanato. Queremos uma casa de passagem de referência. Queremos acolher todos os povos indígenas. Estamos numa época de discriminação, de matança dos povos indígenas. Nós queremos uma casa não pra hoje, para ontem”, prosseguiu a líder kaingang.
Desde a última contagem, realizada na quarta-feira (15), havia 28 indígenas adultos e 17 crianças acampadas. Há relatos de uma grávida de nove meses em situação crítica que está acampada na rodoviária e também de crianças que começaram a apresentar doenças de pele por falta de higienização.
Princípio da vedação do retrocesso
“Acho que a maior perplexidade que vai causar daqui a alguns anos é ouvir que em 2021 os representantes dos povos indígenas tiveram que dizer: ‘nós somos sujeitos de direitos’. Estamos falando de pessoas que vêm aqui e que precisam dormir na chuva. Isso é um disparate. O Ministério Público se envergonha de participar de uma reunião como esta”, afirmou o procurador de Justiça do Ministério Público, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos (CAOP).
O procurador citou o princípio da vedação do retrocesso para argumentar a urgência em se reestabelecer a Casa de Passagem em condições que atendam às necessidades dos indígenas.
“Quando se avança não se pode retroceder. Temos que considerar que a Funai hoje está sob o comando de um presidente da república que despreza a causa indígena. A posição do Ministério Público é muito clara: vai ser necessária nesse exato momento uma ação emergencial. Essa proposta da FAS de separar a família é uma proposta que não vai dar certo. Se trata de um público específico e por isso precisamos pensar numa proposta específica”, ponderou.
Olympio Sotto Maior afirmo que o Ministério Público já tem uma ação pronta para propor contra o município caso a prefeitura não ofereça uma solução.
Sangue indígena
“Que sede é essa de sangue indígena?” questionou o cacique Guarani, Eloy Jacintho. Ele observou que, conforme informações repassadas durante a Mesa de Diálogo, o problema não é falta de recursos.
“E se esses recursos não são suficientes, informo que a Câmara Municipal acabou de devolver 68 milhões de reais para o Greca. Precisa de mais fonte de recursos ou é só preconceito, discriminação, racismo? Nesse momento a prefeitura deveria ter uma plataforma mostrando estes artesanatos que são fonte de recursos para a minha família que também quer um Natal de Luz”, criticou.
Mesa de Diálogo suspensa
Por falta de uma proposta que resolvesse de forma emergencial a situação dos indígenas, a Mesa de Diálogo foi suspensa até que a prefeitura apresente nova proposta.
Participaram da reunião representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Assembleia Legislativa, Câmara Municipal, da Ordem dos Advogados, da Universidade Federal do Paraná, da FAS, do COPED, do CEDCA, além de vários outros coletivos e lideranças indígenas.
Nota COPED
Na sexta-feira (17) o Conselho Permanente de Direitos Humanos do Paraná (COPED) emitiu uma nota pública solicitando urgência na reabertura da casa de passagem indígena que contemple as
necessidades das crianças indígenas e suas famílias.
Lei a nota na íntegra aqui.