Em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). A data, pela importância da decisão, virou um marco e vem sendo lembrada anualmente como Dia Internacional de Combate à LGBTIfobia.
Porém, 31 anos se passaram e a discriminação e a violência contra gays, lésbicas, bissexuais, trans e intersexuais segue fazendo vítimas, muitas delas fatais.
Por isso, o Mandato Goura, a Comissão de Direitos Humanos e o deputado Tadeu Veneri (PT) decidiram trazer essa discussão para a Assembleia Legislativa do Paraná propondo a realização de uma Audiência Pública para marcar o 17 de maio.
O evento contará com a organização de Gisele Schmidt, a primeira advogada transexual a subir na tribuna do Supremo Tribunal Federal (STF) para defender o direito de alteração do prenome (nome civil) e gênero (masculino e feminino) no registro civil, sem a necessidade de redesignação de sexo ou de autorização judicial.
Para o deputado Goura (PDT), a participação de Gisele Schimidt na construção de propostas de políticas públicas voltadas para a garantia de direitos da população LGBTI+ é um marco histórico para o Paraná e para a Assembleia Legislativa.
“É muito importante a Gisele trazer esse olhar e essa perspectiva de uma pessoa trans para dentro da Assembleia Legislativa. Ela vai auxiliar muito nas ações parlamentares nos próximos meses, com levantamento de dados da população trans no Paraná e nessa organização importantíssima da audiência pública do dia 17 de maio, junto com a Comissão de Direitos Humanos e o deputado Tadeu Veneri”, afirmou Goura.
Legislativo tem sido inerte na garantia de direitos
Gisele chamou a atenção para a importância de a Assembleia Legislativa fazer esse debate uma vez que a maioria dos direitos conquistados pela comunidade LGBTI+ foi garantida pelo STF, o que demonstra a inércia do Poder Legislativo.
“Por que até agora o Poder Legislativo tem sido inerte em garantir direitos à essa população? Temos agora aqui na Alep o Projeto de Lei N.º 607/2017, de autoria do deputado Paulo Litro, contra o racismo nos estádios e agora se estendeu à homofobia. Ótimo. Mas, e os outros direitos? Em décadas de pleito por nossos direitos, quais são de iniciativa do Legislativo?
Entre as principais conquistas da população LGBTI+ garantidas pelo STF destacam-se: casamento entre pessoas do mesmo sexo; a possiblidade de homens homossexuais doarem sangue; a possibilidade pessoas trans fazerem a retificação de prenome e gênero diretamente no cartório, e a criminalização da homotransfobia.
“Então, por isso é muito importante que haja debate no Legislativo para saber o que está acontecendo. Por que que o Legislativo não tutela a população LGBTI, o que falta para isso acontecer? Por que nós somos excluídas?”, questionou.
Retrocesso avança
Além de não garantir os direitos, algumas casas legislativas aprovam medidas que representam o retrocesso na luta contra a LGBTIfobia. Como é o caso da Assembleia Legislativa de São Paulo, que aprecia o Projeto de Lei n.º 504/2020, de autoria da deputada Marta Costa (PSD), que proíbe a publicidade, através de qualquer veículo de comunicação e mídia de material que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças no estado de São Paulo.
“Então olha como está o Brasil. O Legislativo, ao invés de nos tutelar, pelo contrário, cria leis contrárias a nós, é um retrocesso. As pessoas alimentam o discurso de ódio e, o que é pior, o Brasil deveria ser regido pela Constituição, mas é regido pela Bíblia, por pessoas que infelizmente são fundamentalistas e querem dominar a população através do obscurantismo e da ignorância”, ponderou Gisele.
A falta de representatividade nas casas legislativas é um fator que favorece a não inclusão das pautas representativas. “E é aí que eu falo que a população LGBTI+ tem que votar em quem minimamente a representa, em quem defende as suas causas”, pontuou.
Violência Velada
O Brasil, conforme ressaltou Gisele, é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Mas além desse estado de barbárie, a comunidade LGBTI+ sofre com a chamada violência velada, aquela em que a vítima fica incapacitada de agir para se defender.
“Uma pessoa trans, por exemplo, é muito difícil ascender ao mercado de trabalho. Eu mesma sou advogada, tenho um certo reconhecimento porque defendi no Supremo uma ação que possibilitou que as pessoas trans mudem de prenome e gênero no cartório, mas ainda assim faz anos que eu tenho procurado emprego e enviado currículo para todos os órgãos que você possa imaginar e para todas as pessoas que me conhecem, que são juízes, promotores, advogados, alguns políticos, e só escuto não”, destacou Gisele.
A advogada afirma ainda que a violência velada é sórdida porque colocada às pessoas que a sofrem à margem da sociedade.
“As pessoas falam: você é trans, que legal, como eu gosto de trans, como eu gosto de gays, você é advogada (…). Só que ninguém te convida para sair, para passar um Natal ou um Ano Novo junto com a família. As pessoas trans são usadas apenas como objeto sexual, como alvo de fetiche dos homens, ninguém assume um relacionamento. Então nós vivemos na mais absoluta solidão e somos excluídas mesmo. A violência física, se você sobrevive a ela, você pode ir até a delegacia e fazer um BO (Boletim de Ocorrência). Mas contra a violência velada, aquela decorrente da hipocrisia que existe em nossa sociedade, você não faz absolutamente nada”.
Serviço
Para colocar na agenda: dia 17 de maio a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná realiza Audiência Pública de combate à LGBTIfobia.
Conheça um pouco mais da história de luta de Gisele Schimidt nesta entrevista realizada pelo Brasil de Fato Paraná.