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“Temos alimentos contaminados na nossa mesa, mas a gente tem um ecossistema todo contaminado. É uma contaminação da terra, da água, do solo, do ar, das pessoas e ela é maciça, é gigantesca.”
A afirmação alarmante é da bioquímica, pesquisadora e professora da Unioeste, campus de Francisco Beltrão, Carolina Panis, que coordenou a pesquisa que mostrou que os agrotóxicos aumentam em 59% o risco de câncer de mama em mulheres expostas aos venenos.
Novo artigo
Depois da divulgação ampla deste estudo, que lhe rendeu o 34º Prêmio de Ciência de Tecnologia do Paraná, Carolina Panis publicou um novo artigo no qual analisa a contaminação dos alimentos por agrotóxicos.
Carolina é professora no curso de Medicina e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas à Saúde; pós-doutora em Oncologia pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) do Rio de Janeiro, mestre e doutora em Patologia, pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Atualmente, também é pesquisadora visitante no Departamento de Saúde Ambiental da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, de onde respondeu a esta entrevista.
Contaminação dos alimentos
“A gente constata que existe uma contaminação enorme na nossa alimentação e que ela é oriunda do método de cultivo principal que utilizamos para alimentos no Brasil, o cultivo que utiliza agrotóxicos”, afirmou Panis ao frisar que o Brasil está em uma contramão absurda em relação à questão dos agrotóxicos.
Nesta entrevista, Carolina Panis destaca que devido a força do agronegócio voltado à exportação, não vê perspectivas de mudanças a curto, médio ou longo prazo. Mas ela ressalta a necessidade urgente de se rever as políticas públicas para popularizar e incentivar a produção de orgânicos no Brasil.
Mandato Goura contra os Agrotóxicos
O uso intensivo de agrotóxicos está associado a sérios problemas de saúde da população, à contaminação dos alimentos e à degradação do meio ambiente.
Por isso, o Mandato Goura tem trabalhado contra o uso indiscriminado de agrotóxicos e em favor do aumento da produção de alimentos de maneira orgânica e sustentável.
“Nosso objetivo é melhorar a saúde e a qualidade de vida da população, preservar os recursos hídricos e o meio ambiente e favorecer a produção orgânica e sustentável”, explica Goura.
O perigo dos agrotóxicos
Desde a eleição para vereador, e mesmo antes como ativista ambientalista, Goura tem atuado para promover mudanças na legislação e a conscientização aos perigos dos agrotóxicos para a saúde o meio ambiente.
Na Câmara Municipal de Curitiba, Goura aprovou a lei municipal de incentivo à agricultura urbana, que não permite o uso de agrotóxicos.
RMC Livre de Agrotóxicos
Na Assembleia Legislativa protocolou logo no início do primeiro mandato, o PL Nº 438/2019, que propõe Curitiba e Região Metropolitana livres de agrotóxicos e prevê que o comércio, o consumo e o armazenamento de agrotóxicos serão restringidos gradualmente em 50% até 2025 e em 100% até 2030.
Outra proposta de lei pede que se implemente ações que contribuam para a redução progressiva do uso de agrotóxicos e de fertilizantes químicos na produção agrícola.
Política estadual de redução
O Projeto de Lei 429/2022 propõe que o Governo do Estado institua a Política Estadual de Redução de Agrotóxicos (PERA) e crie a Comissão Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (CEAPO).
Além disso, o Mandato Goura realizou diversos encontros, palestras e audiências públicas para tratar da questão dos agrotóxicos e se suas consequências para a saúde das pessoas e do meio ambiente.
LEIA A SEGUIR, OS PRINCIPAIS TRECHOS DA ENTREVISTA E, AO FINAL, A ÍNTEGRA DO ARTIGO DE CAROLINA PANIS:
Mandato Goura – Eu participei de uma palestra sua sobre o estudo que relaciona o uso de agrotóxicos ao aumento de casos de câncer de mama em mulheres expostas aos venenos. Gostaria de saber se esse seu novo artigo tem alguma relação com esse estudo?
Carolina Panis – Começamos esse estudo sobre a relação dos agrotóxicos e do câncer de mama em 2014, quando cheguei na Unioste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná). Quando a gente chega num ambiente para fazer pesquisa, costumamos observar muito como é esse ambiente, como é a epidemiologia do lugar e da população de interesse do estudo. E conversando com as mulheres do CEONC (Centro de Oncologia – Hospital do Câncer) de Francisco Beltrão (Região Sudoeste do Paraná) observei que a maioria delas dizia que era agricultora.
Isso me chamou muito a atenção porque, paralelamente a isso, eu tinha feito um levantamento do número de casos de câncer de mama ali na região, nos últimos cinco anos, e percebi que existiam mais casos de câncer de mama do que eu estava acostumada a ver em outros lugares.
Eu trabalhava em Londrina, no Norte do Paraná, e estava recém-chegada do Rio de Janeiro, onde tinha terminado o meu pós-doutorado no Instituto Nacional de Câncer (Inca), e não tinha visto tanto caso de câncer de mama na proporção para cada 100 mil habitantes como eu vi em Beltrão.
Então, a partir disso, me veio a ideia de cruzar essas informações, e dali vieram várias publicações que a gente vem fazendo, investigando o risco que esses agrotóxicos oferecem à população do ponto de vista de ser uma mulher que mora na Região Sudoeste.
Primeiro, esse fato oferece um risco aumentado de ter câncer de mama? Segundo, quando oferece esse risco, a doença é mais agressiva? Terceiro, quais são os mecanismos responsáveis pela agressividade do câncer de mama que a gente observa na região? Porque detectamos que além de ter mais casos, tem mais mortalidade. Então, hoje estamos focando nessas frentes.
“É uma contaminação de terra,
de água, de solo, de ar, de pessoas,
e ela é maciça, é gigantesca”.
Mandato Goura – Como você descreveria, para uma pessoa leiga no assunto, os principais achados desse novo artigo?
CP – Esse artigo novo faz parte desse grande estudo, mas ele é um trabalho que a gente fez com base especificamente numa outra frente de contaminação. Tenho trabalhado com a contaminação ocupacional, com a contaminação da água, e agora, mais recentemente, nesse trabalho com a contaminação de alimentos.
Então, com relação à contaminação de alimentos, a gente se baseou no relatório do PARA (Relatório de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos).
Nesse estudo a gente fez um levantamento dos principais contaminantes que aparecem nesse relatório, os principais agrotóxicos, e qual risco que esses agrotóxicos, que estão presentes no alimento, oferecem para a saúde humana, olhando do ponto de vista do câncer, que é a minha especialidade.
A gente constata que existe uma contaminação enorme na nossa alimentação e que ela é oriunda do método de cultivo principal que utilizamos para alimentos no Brasil, o cultivo com agrotóxicos.
Temos uma lista com vários nomes de agrotóxicos que são amplamente utilizados e cujos resíduos foram encontrados em concentrações bastante altas. Algumas vezes encontramos resíduos que não são permitidos para aquela cultura.
Por exemplo, tem uma lista de agrotóxicos que são permitidos no arroz, porém, não são só esses resíduos que aparecem. Resíduos proibidos que deveriam ser usados na soja, por exemplo, aparecem no arroz.
E olhando para esses pesticidas que estão ali, verificamos ainda que eles têm uma relação não só com a ocorrência de câncer, mas com o agravamento do comportamento da célula cancerosa, quando você já está doente.
Focamos nessa parte de alimentos porque eu já tinha recentemente publicado o artigo da água, que mostrou uma relação com o câncer, especialmente com o câncer de mama, que é justamente o que está aumentado na nossa região.
Ficamos curiosos nessa relação e fomos olhar os alimentos e achamos os contaminantes que têm potencial carcinogênico e que se relacionam com qualquer tipo de câncer, não só com o câncer de mama.
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“Acho difícil a gente ter uma mudança a longo prazo, porque é cultural no nosso país a agricultura convencional com o uso de agrotóxicos. Ao invés de diminuir, as empresas produzem cada vez mais agrotóxicos, recomendam uma maior quantidade nos cultivos”.
Mandato Goura – Não é de hoje que a ciência discute o impacto dos agrotóxicos na saúde humana. No entanto, a cada dia, em especial no último governo, mais agrotóxicos são liberados aumentando ainda mais a contaminação. Você vislumbra algum caminho a curto, médio e longo prazo para mudar essa realidade?
CP – Estamos numa contramão absurda em relação a essa questão dos agrotóxicos, porque embora existam esforços e iniciativas voltadas à agricultura orgânica, ou à redução do uso de agrotóxicos, ou ao seu não uso, existe essa liberação absurda, especialmente porque a gente vem de um governo pró-agro.
E não é o agro no bom sentido que eu coloco aqui. É o ganho de dinheiro a qualquer custo, para poucas pessoas, e em detrimento da vida, da saúde de muitos.
Então é até difícil vislumbrar alguma mudança. Apesar da mudança de governo, e que eu acredito que vai dar uma peneirada, uma mexida nessa área, ainda assim não vejo com bons olhos.
Essa questão da agricultura no Brasil é complicada porque somos presos na agricultura convencional. Os grandes produtores de soja, de commodities, não querem saber de fazer diferente. Eu acho que esse é o grande problema.
Temos alimentos contaminados na nossa mesa, mas a gente tem um ecossistema todo contaminado. E essa contaminação vem principalmente desse agro de commodities, que envolve o glifosato, principalmente.
Enfim, é uma contaminação de terra, de água, de solo, de ar, de pessoas, e ela é maciça, e ela é gigantesca.
Então não vejo uma perspectiva em curto prazo, não acho que o governo vai entrar e conseguir cortar essa questão, porque estamos falando do agronegócio pesado, de pessoas que têm muito dinheiro e muito poder.
Vários políticos são donos dessas exportações de commodities, então sabemos quem é quem tem a caneta e quem assina para liberar ou proibir essas coisas.
É cultural no nosso país a agricultura convencional com o uso de agrotóxico. Ao invés de diminuir, as empresas produzem cada vez mais agrotóxico, recomendam uma maior quantidade nos cultivos.
Por mais que exista a agricultura orgânica e a gente venha nessa batalha para mudar a ideia do consumidor de alimento, eu acho que nesse ponto nós só vamos ter uma mudança a longo prazo.
O consumidor de alimento que está sendo mais exigente não quer mais comer agrotóxico, ele quer uma alimentação orgânica.
Mas tenho receio com relação a quem realmente polui o nosso país. Eles vão continuar contaminando, mesmo que a gente tenha, por exemplo, a mudança do alimento para o orgânicos. Porque esses alimentos vão ser contaminados. Se tem uma lavoura de soja do lado da minha plantação de feijão, obviamente o meu feijão vai ser contaminado.
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“O pobre não come comida convencional porque ele quer, ele come porque é mais barato. Infelizmente, vão pagar esse preço com o comprometimento da sua saúde”.
Mandato Goura – Sabemos que a produção de orgânicos no Brasil existe e é crescente, porém, ainda não é acessível a maioria da população. Se continuarmos nesse ritmo, quais as perspectivas para a população que não tem condições de escolher qual produto vai pôr na mesa da sua família e, também, para trabalhadores de trabalhadoras da agricultura que sofrem com a exposição a esses produtos?
CP – A gente sabe que o produto orgânico, na maioria dos centros, é um produto um pouco mais caro do que o produto convencional. Isso preocupa porque, como você colocou, como é que as pessoas que têm uma renda menor vão conseguir comer o orgânico?
Elas não vão conseguir. Tenta comprar um suco de uva orgânico e compara com o preço do convencional. Mesmo quem tem um poder aquisitivo razoável, olha aquilo e fala, como é que eu vou manter?
A realidade da população brasileira, do trabalhador assalariado, nem permite direito tomar suco de uva. E quando toma, vai tomar o mais barato, que é o suco que está perdido de veneno, com certeza. Então, preocupa porque é justamente a população mais pobre que é mais vulnerável a essa questão dos agravos à saúde que o agrotóxico oferece.
Quando um paciente desse chega, ele vai ser tratado no SUS, que apesar de tudo é referência no mundo para o tratamento da oncologia, tem bons profissionais, tem acesso à cirurgia, tem acesso a tratamento.
Mas a gente sabe que pegando o câncer de mama, por exemplo, há o risco, se o diagnóstico não for feito muito, muito, mas muito precocemente, de falha de tratamento em 50% dos casos.
Vamos voltar lá para o começo. Ele não tinha dinheiro nem para comprar o orgânico para tentar se defender contra esse câncer. Então, depois que ele fica doente, ele está dado ao tratamento convencional. E se ele precisar de um tratamento moderno, ele vai ter que entrar judicialmente, existe uma grande chance de ele não conseguir.
Então, o que preocupa é que essas pessoas vão acumular esse processo de intoxicação crônica por agrotóxico e elas vão desenvolver doenças diversas. A gente sabe que o agrotóxico agrava essa questão do câncer, não só do seu aparecimento, mas agrava a sua evolução.
O câncer se torna mais agressivo quando ele tem contato com o agrotóxico.
Ou seja, precisamos rever urgente as nossas políticas para popularizar e incentivar a produção de orgânico, baratear o orgânico para que todo mundo tenha acesso.
O pobre não come comida convencional porque ele quer, ele come porque é mais barato. Infelizmente, vão pagar esse preço com o comprometimento da sua saúde.
Mandato Goura – Agora uma curiosidade: o que você não coloca na sua mesa de jeito nenhum?
CP – Eu não como pimentão de jeito nenhum. Extingui da minha vida. Ele é uma fonte absurda de agrotóxico. E quando eu vou consumir morango, eu dou preferência para o morango orgânico, mas eu nem sempre consigo.
Por exemplo, você vai num restaurante e seu filho quer tomar suco, você não vai perguntar se o suco de morango deles é orgânico. Ou você vai num lugar fora da sua cidade, que você não conhece, acaba comprando o que tem no mercado. Mas eu tento comprar o orgânico. Ou evitar mesmo. E começar a criar alternativa, oferecer outras frutas e tal, mas se eu falar que é fácil, é mentira, não é?
Leia o novo artigo da Carolina Panis: