“Moradia não é só habitação, precisamos moradia com estrutura”. A afirmação é do representante da União de Moradores (as) e Trabalhadores (as), Ivan Pinheiro que, nesta segunda-feira (29), participou da aula pública remota “Políticas de Habitação e Direito à Moradia”, proposta pelo deputado estadual Goura (PDT).
O debate, promovido no dia do aniversário de Curitiba, foi uma preparação para a Conferência Popular de Habitação e mostrou a necessidade de se pensar políticas públicas integradas para a habitação.
“A Conferência Popular de Habitação já está acontecendo. O intuito hoje, no aniversário da cidade, é mostrar a Curitiba que não está nos cartões postais, e a partir de um diagnóstico, juntarmos esforços na construção de uma nova Curitiba que respeite todas as pessoas”, afirmou Goura.
Dados do Plano Estadual de Habitação de Interesse Social do Paraná (PEHIS-PR), elaborado pela Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), levantados em 2019, demonstram que em Curitiba há mais de 450 assentamentos irregulares, que totalizam mais de 50 mil domicílios. “Estima-se que há ao menos 150.000 pessoas vivendo em situação irregular no município”, afirmou o deputado.
Ainda segundo os dados da Cohapar, na Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab) há mais de 38.000 inscritos que aguardam o atendimento de programas habitacionais, sendo que 85% das famílias recebem até 3 salários-mínimos.
Quando se fala em Curitiba e Região Metropolitana, dados de 2019 da Fundação João Pinheiro apontavam para um déficit de 84 mil domicílios. Se considerarmos todo o Paraná, o déficit era de 247.153 domicílios.
Porém, conforme o representante do Movimento Popular por Moradia, Val Ferreira, o número da fila da Cohab representa uma pequena porcentagem. “A maioria dos assentados não estão na fila. E boa parte são pessoas que fizeram a ficha uma única vez”, explicou ao observar que é preciso renovar o cadastro junto a Cohab para permanecer na fila.
Veja a íntegra da audiência.
Moradia como política principal
“O povo só precisa de um pedaço de terra. Se as terras forem distribuídas adequadamente, a questão da moradia vai ser resolvida rapidamente”, afirmou Val Ferreira ao observar que a luta vai além de um imóvel. “A questão central é moradia, mas lutamos também por saúde, educação, geração de renda”, disse.
Nesse sentido, a professora Madianita Nunes da Silva, do Laboratório de Habitação e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirmou que “a moradia deveria ser uma política principal, central e integradora das demais políticas. Moradia digna não se restringe à casa, compreende também outras dimensões ligadas à vida cotidiana das pessoas”.
A afirmação da professora Madianita vai ao encontro do que expôs Ivan Pinheiro ao falar que “a nossa luta principal é que a gente tenha estrutura mais sólida, com estrutura financeira, dentro de Curitiba, e de todo o estado. Mas para isso temos que ter uma Secretaria de Estado de Habitação”.
Madianita frisou que a política habitacional em Curitiba, além de ter sido tratada ao longo do tempo de forma apartada de outras políticas, tem se resumido à construção de casas, que são financiadas para a população. “A priorização desse modelo não atende a população que tem maior necessidade. E é para essa população que a política de habitação deveria estar sendo pensada”.
O direito de ocupar
Moradora de Vila União, em Almirante Tamandaré, e representante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, Hilma Santos, ressaltou que ocupar é preciso quando não se tem moradia legal. “Quando morar é um privilégio, ocupar é um direito”, disse.
Hilma ressaltou que a habitação popular não acontece porque a moradia passou a ser uma questão financeira. “Ela deixou de ser um direito para dar dinheiro para alguns empresários que se acham donos da cidade”, disse.
“O nosso povo desvalido, e agora faminto, é o que mais está sofrendo nessa pandemia. A casa nunca foi tão importante. Como pedem para ficarmos em casa, se o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, todos nos negam esse direito constitucional”, questionou.
Incerteza e preconceito
Além de conviver com a incerteza e o risco de um despejo, os moradores dos assentamentos convivem muitas vezes com preconceito da vizinhança.
“Os moradores ao redor têm muito preconceito com a gente. Mas eles não têm ideia do que é viver assim, desempregado e sem ter onde morar. Se a gente tivesse condições de pagar um aluguel é claro que a gente não estaria ali”, lamentou Laudy Gomes, moradora do Guaporé II.
Outra questão tão importante quanto a moradia é a fome, que já começa a atingir moradores do assentamento. “Agora que estamos com nossas casas, muitos estão sofrendo com a questão de alimentos. A gente está um pouco largada nesta questão social, não sabemos como vai ser depois que acabar a pandemia”, relatou Laudy ao afirmar ainda que, após a intervenção de alguns parlamentares, a Guarda Municipal “parou um pouco de incomodar”.
Despejos durante a pandemia
Os deputados Goura e Tadeu Veneri (PT), membro e presidente da Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania (CDHC) da Assembleia Legislativa do Paraná, apresentaram ofício ao presidente do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), desembargador José Laurindo de Souza Netto, que manifesta preocupação com as decisões judiciais de reintegração de posse em casos de conflitos fundiários urbanos e rurais.
“Solicitamos ao presidente do Tribunal de Justiça que ações de reintegração de posse sejam devidamente e efetivamente acompanhadas de políticas públicas de assistência social e respeito aos direitos humanos”, disse Goura.
Leia a matéria sobre o tema aqui.
Perspectivas
Representante da Campanha Nacional Despejo Zero e da Confederação Nacional das Associações de Moradores, Getúlio Vargas Junior, ponderou que o cenário é de pouca perspectiva de produção habitacional vinda do Governo Federal. “Resta a quem ocupou fazer resistência para garantir sua moradia num Brasil que tem tantos imóveis e tanta terra que não cumprem função social”, afirmou.
Getúlio criticou mercantilização da moradia para atender interesses privados. “A gente percebe que, ou temos muita mobilização popular, pressão do povo para reverter essas medidas, porque se depender das políticas públicas e dos sinais que vêm do governo Bolsonaro, a gente vai ter mais retrocessos ainda na construção de uma política habitacional”, frisou.
Segundo Getúlio, mais de 1.150 famílias foram removidas durante a pandemia no Brasil e mais de 65,5 mil estão ameaçadas de remoção durante a pandemia.
Vídeo despejo no Sabará:
Respostas das políticas públicas
A professora Daniele Pontes, do Centro de Estudos em Planejamento e Políticas Urbanas (UFPR), trouxe considerações para análise da temática sobre habitação. “Quem é despejado tem em média 24 horas para arrumar outro espaço. Qual é o plano que está proposto para estas situações urgentes”, questionou. “A irregularidade fundiária não pode ser criminalizada quando é apenas a demanda por uma existência digna”, acrescentou.
Clique na imagem abaixo para ver a apresentação completa da professora Daniele Pontes.
A vereadora Professora Josete (PT) afirmou que Curitiba tem uma legislação que criou o aluguel social, mas que até hoje não foi regulamentada. “Então cada vez que criamos uma situação de despejo, não temos nenhum tipo de recurso para auxiliar essas famílias”, observou.
Governança Metropolitana para Habitação
O deputado Goura agradeceu a participação de todos e todas e frisou que é necessário a construção de uma Governança Metropolitana para a Habitação para tratar do problema com justiça social e preservação do meio ambiente. “Vamos construir a Conferência Popular de Habitação apontando diretrizes para que a Capital invista recursos em quem mais precisa”, assegurou.
O deputado citou ainda a participação do vereador Dalton Borba (PDT) e dos mandatos dos deputados Tadeu Veneri (PT) e Rubens Recalcatti (PSD), da vereadora Carol Dartora e do vereador Renato Freitas, ambos do PT.
A Aula Pública foi transmitida pelas redes da Assembleia Legislativa do Paraná e do Brasil de Fato Paraná.